Textos: Herman Silvani
· Fotos:
Liza Bueno e Herman Silvani
(Epopeia
e Lado B - Abba)
Parte I (sexta e sábado):
Mais uma edição do Psicodália se
realiza na fazenda Evaristo em Rio Negrinho, norte de Santa (e às vezes não tão
bela) Catarina. É a 22ª edição, sendo a nossa 13ª (minha e da Liza). De 2007
para cá, desde que começamos ir, quando era em São Martinho ainda, não falhamos
uma. São 9 ou 10 anos trabalhando como imprensa (independente / alternativa) no
festival, mas, desde de 2007 viemos divulgando, registrando em fotos e
resenhando textualmente o Psicodália. Dois destes anos todos tocamos com a
banda Epopeia e dois (incluindo este
ano) apresentamos com o Grupo Vertigem
de Ações Poéticas. É uma satisfação e enorme prazer poder contribuir e
participar de um festival multicultural como é o Psicodália, sabendo que somos
parte desta construção. E este ano, como todos os outros, mais uma vez, o
Psicodália ofereceu ao seu público grandes e intensos shows, apresentações
artísticas das mais variadas linguagens e dias de muita diversão, amizades,
aprendizados.
Nestes dois últimos anos, um fato ‘novo’ e não tão agradável
deixou o Psicodália um tanto triste: a pressão e policiamento do Estado. Por
meio da Polícia Militar e de instituições como o Conselho Tutelar, tivemos
batidas policiais na entrada (e saída) do evento. A ‘justiça’ proibiu a entrada
de menores de idade no festival, que sempre tratou com respeito, carinho e
ofereceu diversão e aprendizado (eventos socioeducativos) para as crianças.
Isso fez com que muitos desistissem de ir ao evento. Pela fazenda, nos shows,
nas oficinas e apresentações artísticas, um manifesto ecoou:
“Devolvam nossas
crianças!”
De nossa parte, foi um tanto triste não ver crianças durante
o dia, sorridentes brincando com seus pares, seus pais, novos amigos/as,
monitoras/os, cães, pela fazenda. Muito das minhas fotografias perderam suas
cores por isso. Passamos por um momento duro na história de nosso país, onde o
‘moralismo’ submete a liberdade e a própria moral, e onde, ao invés da
sinceridade, honestidade e respeito ao ser humano, ao brasileiro, temos
restrições estúpidas por parte de uma elite burocrática e conservadora que se
organiza em torno e dentro do poder. Ainda na primeira madrugada, final de
noite, eu e Liza fomos até a sala da imprensa descansar e comer alguma coisa,
antes de irmos dormir. Foi quando fiz o registro acima. Conversamos um pouco
sobre a falta das crianças, vendo de cima o casal que, espantosamente,
apreciava a belíssima exposição fotográfica de crianças no Psicodália, um
‘manifesto artístico’ do grande fotógrafo Giovani Paim. Imaginamos e comentamos
como seria uma sociedade sem crianças. Não foi fácil conter as lágrimas. A Liza
chorou. Eu, internamente. E nos juntamos ao coro: “Devolvam nossas crianças!”.
Mais um ano de trabalhos na imprensa e de apresentação
artística com o Grupo Vertigem. Uma alegria enorme para nós. Além de trabalhar
e nos apresentar, poder curtir o festival. E mais uma vez, foi intenso e belo,
principalmente nas suas atrações musicais e artísticas. Vimos muitos dos shows
(infelizmente não dá para assistir tudo). Na primeira noite (Sexta-feira) nos
palcos Lunar e dos Guerreiros (do Sol durante o dia) vimos as belas apresentações
de Samuca e a Selva e Amaro Freitas. E em destaque o intenso espetáculo
da grande mestra Elza Soares,
cantando seu disco “Deus é mulher” e outras canções do disco “A mulher do fim
do mundo” (duas belíssimas obras), que apresentara em uma edição passada do
Psicodália. Mais um grande show com belíssima produção. Um dos grandes shows
desta edição. Emocionante do início ao fim: “A mulher é você! A mulher sou
eu!”. Obrigado Elza!
Em seguida o rock visceral dos amigos da Patrulha do Espaço também deixou sua marca no festival. Aliás,
Patrulha sempre deixa. Não há como passar alheio a ela. O público do Psicodália
mudou muito nos últimos anos, tanto que o rock já não é o principal elemento
musical do festival, como fora anos atrás. Não que ele não tenha seu espaço e
reconhecimento, mas as coisas vão se transformando através dos anos, e nisso o
rock diminui seus espaços, mas ele sempre está, com música e espírito, e
Patrulha é uma síntese disso. O fato também, é que a Patrulha é, e sempre foi,
uma das resistências do rock autoral independente nacional. E como foi bom
cantar e curtir a Patrulha depois de anos, poder rever e bater um papo com os
amigos, os mestres Júnior (um dos grandes bateristas de rock da história deste
país) e Luiz Domingues (também um mestre do contrabaixo rock), assim como o
Rodrigo Hid, grande guitarrista e vocal, além de conhecer pessoalmente a Marta
Benévolo (vocalista). Enfim, dá-lhe Patrulha!
Sábado pela manhã, no Palco do Lago (em forma de disco
voador), registramos a bela apresentação de As Iyagbás (RJ). Show de ritmos africanos, afro-brasileiros e que contou
histórias destas culturas. Um show de resistência e arte. Belíssimo trabalho
musical com dança e forte elementos étnico-culturais. Final da tarde, mais uma
vez, tivemos a honra de ver/ouvir o mestre Tom
Zé no Palco do Sol (foi a terceira vez que vimos um show dele no
Psicodália, este um pouco mais simples que os anteriores). Um provocante show,
como haveria de ser. Tom Zé sendo Tom Zé, improvisando, comunicando,
satirizando, manifestando. Musical e instigante como sempre. Obrigado mais uma
vez mestre!
22h e chega um dos shows que mais queríamos ver. Eis que sobe
ao Palco Lunar o do Cordel do Fogo
Encantado. Já tivemos a oportunidade de vê-los no Morrostock 2018 (até
conversarmos com eles pessoalmente), quando apresentamos e fizemos uma
instalação poética com o Grupo Vertigem. E o que dizer deste show? Muito! Tanto
que nem cabe aqui. Simplesmente hoje, talvez o maior show do Brasil. Uma obra
de arte que envolve música, áudio-visual, poesia, performance, interpretação,
manifesto sociocultual e político. Ou seja, um grande espetáculo! Tive o prazer
de conhecer pessoalmente o Lira (Lirinha) alguns anos atrás em Salvador, num
show do seu primeiro disco solo e vê-lo apresentar poemas e histórias, por
intermédio do amigo Pinguim, que na época tocava com ele. Um dos grandes nomes
da arte nordestina jovem no país. Na ocasião também conheci a Patrícia, que
produzia ou dirigia seu show, e que hoje produz e/ou dirige o show do Cordel.
Também conversamos com ela numa edição passada do Psico, quando dirigia o show
da banda Cidadão Instigado (outra grande banda). Mais uma vez nos recebeu com
muita cordialidade e atenção. No mas, o show deu vontade de que nunca acabasse.
Um belíssimo espetáculo que fala da natureza e da relação humana com ela, assim
como de aspectos importantes da história. Só vendo para se ter uma ideia, pois
em palavras fica difícil explicar. Grandes emoções e, como diria Nietzsche,
‘vontade de potência’. Foi isso. Uma grande energia que eleva a alma e o corpo.
Combustível para viver este tempo, com Arte! Enfim, obrigado Cordel do Fogo
Encantado!
Na sequência, outro por nós, aguardado show, o da Dona Onete. E que show, que festa! Com
sua simpatia, sua maestria e seus ritmos do Pará, a mestra Onete deu uma
injeção de energia e alegria no público. Vou te dizer rapá, esta sequência de
Cordel e Onete não dá para não querer viver mais mais corpo, mais ritmo, mais
Psicodália. Esperávamos deste show, e, felizmente, foi ainda mais do que
pensávamos. Músicos de primeira e a simpatia, a energia e sabedoria popular da
Dona Onete. Contagiante aos sensíveis e ouvidos e corpos livres, abertos. Isso
também é Brasil meus amigos e minhas amigas! Enfim, uma noite e tanto, cheia de
musicalidade, arte, energia. E como diria a mestra Onete, parafraseando: “É
carimbó, é chamego, é rock, é tudo!”. Obrigado Dona Onete! Obrigado Psicodália!
Como saideira da noite, a já clássica no festival, Bandinha Di Da Dó. Conjunto musical de
palhaços auto-intitulado de Clown Music, do amigo e baterista, organizador do
Morrostock, Paulo Barcellos, o Zé Docinho. Novamente um alegre e festivo show,
como sempre. E o coro a partir das palavras de Zé Docinho se ouviu durante todo
o festival, durante os shows, as apresentações, nas madrugadas, escrito pelas
paredes: “Devolvam nossas crianças!”.
Continua...
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