sábado, fevereiro 10, 2007

Rock nosso de cada dia: entre a música e a atitude


The Mars Volta



Definir o rock não é coisa tão simples como alguns tentam fazer. Este ritmo, filho do casamento entre a musicalidade africana com a européia, tem fortes raízes no blues, e do blues, tem grandes heranças: o grito, o lamento, a dor, a alegria, a energia, a sexualidade. Com o passar do tempo, o que era um ritmo musical dançante (leia-se rock anos 1950), tornou-se um estilo musical e, principalmente comportamental de ser e viver (o que, desde seu inicio mostrou-se ser). Então rock, além de ritmo e música, é comportamento, atitude, posicionamento frente a algumas práticas e valores sociais. Da primeira geração do rock sobrevivem, musicalmente, entre muitos outros, Elvis Presley e Chuck Berry. Depois vieram os Beatles com seu ‘rock novo’ e um novo conceito musical trouxeram consigo. Uma infinidade de bandas fizeram sua decolagem depois dos Beatles, ou junto deles, é o caso dos Rolling Stones. Depois do rock and roll, outras vertentes jorraram mundo afora, já com o rock em termo resumido, o ‘and roll’ fica para a primeira leva de bandas. Eis que surgem o ‘acid rock e/ou rock psicodélico’ dos anos 60, com J. Hendrix Experience, The Cream, Jefferson Airplane, Pink Floyd (fase Barret), etc., o ‘mod rock’ de bandas como The Who e Small Faces (que depois transformaram-se no que ficaria conhecido como garage rock), o ‘garage rock psicodélico’ de bandas como The Electric Prunes e The Seeds, o ‘rock experimental’ do Velvet Underground, e já nos fins dos anos 60 e início dos 70, o ‘garage rock’ e/ou ‘pré-punk’ de MC5, Stooges e New York Dolls, o ‘glan rock’ de David Bowei e Lou Reed, o ‘rock progressivo’ de Pink Floyd (fase Gilmour), Yes, King Crimson, etc., o ‘hard rock’ de Led Zeppelin, Deep Purple e Grand Funk, o ‘metal rock’ de Motorhead, AC DC, Black Sabbath, o ‘punk rock’ dos Ramones, Sex Pistols, Toy Dolls, o ‘ska punk’ do The Clash, o ‘hard core’ dos Dead Kennedys, Exploited, Circle Jerks, The Misfits, o ‘grind core’ de Rattus, Boskops, o ‘heavy metal’ do Iron Maidem e os ‘derivados’ ‘trash, doom, death, prog-metal’, etc., de bandas como Slayer, Megadeth, Tiamat, etc. Enfim, uma infinidade de estilos e bandas. Os anos de 1980 surgiram com novas tecnologias, novas formas de se produzir, compor, atuar e viver o universo do rock. Mistura de ritmos, estilos e o uso de novos recursos (ainda que mal utilizados nestes anos), fizeram do rock um mundo em potencial, além de um produto mais efêmero e consumível para os lucros das grandes gravadoras e da mídia capitalista. Nos anos 90 acontece uma reviravolta neste meio, outras bandas com novas propostas, novos timbres musicais, enfim, uma nova sonoridade e forma de fazer rock surgem para encerrar os anos anteriores. A reprodução musical do rock começa a decair. O que parecia impossível aos mais saudosistas dos anos 60 e 70, acontece. Bandas como Radiohead, Placebo, The Mars Volta, entre outras, experimentam e acertam, fazendo um rock, digamos, atualizado. Mas em verdade, isso não seria novidade, já em meados dos anos 80 bandas como Doctor Deseo (Espanha), já tinham seus timbres e propostas musicais e estéticas apresentadas no underground, onde, diga-se de passagem, o rock sobrevive. O hard core / punk rock, por exemplo, é um estilo que transformou-se mas permaneceu nos anos oitenta como uma das vertentes mais vivazes do rock, com bandas como NOFX, Bad Religion, Social Distortion, SNFU, Operation Ivy, etc. Chegados os anos 2000, já com o rock pós 80 mais bem difundido e mais bem aceito pelos próprios ouvidores de rock, surgem outras novas bandas também com propostas que desafiam a reprodução, pondo pimenta na boca dos saudosistas que deploram o rock do presente. The Mars Volta é um bom exemplo disso. Uma banda que traz a tona uma nova forma de gravar e tocar. Um som que beira o absurdo, de uma banda que traz em si uma poética ainda não bem compreendida, mas que merece toda a atenção pelos que vivem e fazem do rock a trilha sonora de suas vidas. Existem muitas outras bandas é certo, mas esta serve de digno exemplo. No Brasil, suposta terra de samba, mpb e bossa nova (que já não é tão nova assim), o rock acompanhou essa transformação, essa ‘evolução’ sonora musical comportamental do rock. Por aqui existem grandes bandas de rock, nos seus mais variados estilos. Algumas que, independente da época e do alcance, fizeram e fazem seu som ecoar: Os Mutantes, Raul, Som Nosso, Patrulha do Espaço, Casa das Máquinas, O Terço, Secos e Molhados, Bacamarte, Baia e Rock Boys, Somba, Dinartes, Repolho, Ruído por mm, Cachorro Grande, Cólera, Os Inocentes, Sangue de Barro, Cordel do Fogo Encantado (se não é rock musicalmente falando, é no palco e no modo de execução musical), entre outras, muitas outras... Enfim, o mundo musical é incalculável, e nele, o rock ocupa boa parte.


Em defesa do rock que é...

Acompanhando e participando de debates e discussões sobre o rock, além de ter certo conhecimento na área, já que, além de compor e tocar rock em bandas desde 1993 até os dias atuais, fiz uma monografia sobre o assunto na área de história (onde sou graduado). Tive, além da experiência prática desses anos todos dedicados ao rock, acesso e contato a diversas leituras sobre o tema, o que me proporciona tecer alguns comentários fundamentados sobre tal. A questão que aqui se coloca é a seguinte: “atualmente, o que define uma banda de rock e, de certa forma, ‘qualifica’ a produção e criação da banda?” É bem mais fácil falar sobre isso do que querer dar um conceito acabado para o rock. Pode-se dizer que são vários os elementos que caracterizam uma banda de rock. Entre eles citaremos alguns, os que, devemos levar em conta quando do debate sobre ‘o que é uma banda de rock’. Como rock não é somente música, mas ‘música e comportamento’, pois assim tornou-se (ou nasceu?), e hoje não é diferente, continua assim sendo, citaremos alguns elementos que caracterizam-no. Um elemento, talvez dos mais importantes, defendemos que seja a ‘atitude’, ou seja, o posicionamento da banda. Quando falo aqui de posicionamento, não estou me referindo unicamente a posição política (o que também é importante), mas a postura assumida pela banda, como proposta artística por exemplo, seja ela no palco ou fora dele. ‘Presença de palco’ é outro elemento. O rock sempre teve presença marcada por onde se faz ouvir e ver, o que faz jus a seu título e sua história. Não vamos longe, vejamos Hendrix, Chuck Berry, Keith Moon, Jello Biafra, entre outros. O ‘timbre’ forte, casamento entre equipamento, instrumentos e o toque do músico, é outro elemento característico do rock. Mesmo que sutil, delicado, de profunda sensibilidade, o timbre de um tocador de rock é percebido pelo modo de faze-lo. Oscilando entre violência e paz, dor e alívio, tristeza e alegria, os timbres de rock são heranças do blues, como já foi dito, pois no modo de tocar, de segurar o instrumento, de comunicar-se e comunicar com ele, o roqueiro tem sua identidade própria, sua ‘sujeira’ na pureza do som, ou melhor, não esconde que o som não é algo puro como ele foi tratado durante anos pela igreja e pelos puristas. O que difere o rock de outros estilos musicais é justamente sua ‘extravagância sonora’, sua ‘radicalidade musical’. Sabe-se que a música tem linguagem própria, e isso não é diferente no rock. Rock, além de ser técnico e estudado, é improvisação, é comunicação, isso, além da música, e nisso, rock é ‘além música’. A voz de uma humanidade que precisa criar, ou simplesmente fazer ouvir. ‘Energia’, outro elemento indispensável do rock. Quando falo em energia, não estou me referindo unicamente da energia herança do garage rock e do punk que radicalizou ainda mais a musicalidade do rock, mas da energia do homem músico de rock, da energia saída de seu instrumento, que, diga-se de passagem, é elétrico. Todo o rock é elétrico, ou seja, ‘o rock já nasceu plugado’, e isso é parte inseparável de sua estética sonora-musical. Defendemos também, que além de mostrar uma boa música, de simplesmente animar e fazer sorrir, o rock hoje necessita, talvez mais do que nunca, comunicar, apresentar sua proposta, ou seja, assim como todas as artes modernas, ‘causar’. Rock não é alegoria. Se o rock fosse mera alegoria, só serviria a indústria fonográfica e cultural, e não seria um modo de vida que suscita um comportamento social. Atualmente, muitos músicos de rock ostentam suas estéticas e olhares malvados do estereotipado roqueiro, aquele inventado para nos filmes hollywoodianos, servirem de bandidos, arruaceiros, cafajestes, e produzem um som sem algo a acrescentar, parece que não tem nada a dizer. Existe uma tal onda do chamado ‘pop rock’, afirmando-se como tal (e qual rock não é pop?), que nada mais é, em sua imensa maioria (não generalizando – há exceções), do que uma imitação mal acabada do rock. Talvez a auto afirmação do ‘pop rock’ seja para o diferenciar do rock, visto por muitos ainda como ‘coisa de maloqueiro’, irresponsável e/ou arruaceiro. ‘A maioria’ das bandas que pegam esta onda, fazem do rock (ou de seus símbolos) um pedestal, um degrau para subir ao topo do sucesso (coitados), prostituindo-se as ideologias de mercado, participando do jogo sujo da industria da cultura e da sociedade do espetáculo (leia-se Adorno e/ou Benjamim – Escola de Frankfurt). Além da maioria serem donas de péssimas composições, seus timbres musicais fabricados em estúdio são horríveis. Hoje, já não existem desculpas para se compor algo ruim, pois tudo, ou quase tudo, está dado. As referências estão em volta, o passado ecoa, as tecnologias foram domadas e o dinheiro já não é o maior atravanque. O que falta então? ‘Espírito’, ou seja, ‘alma’ de artista, aquela do ‘velho’ blues, do roqueiro, aquele que anterior as convenções está apto a experimentar, a ousar, a dar seu recado, a gerar, causar algo na mente e corpo do público. Enfim, rock hoje, é mais difícil de se produzir, de compor, de tocar, de encontrar uma ‘originalidade’, mas, em contra partida, nunca tivemos tão conscientes do que seja isso, pois muito já foi feito e desfeito, e muito ainda há para fazer, é preciso perseverança e atitude, é preciso que o grito seja ouvido e sentido, que o corpo trema e o coração pulse, que a música seja, além de um conceito, um instrumento, assim como é a guitarra, assim como é a voz do cantador, e que o rock continue conflitando comportamentos e gerando outros...


Herman G. Silvani ou Niko
(compositor, vocal e guitarrista da banda Epopéia, graduado em História e pesquisador de rock e suas oscilações)

Caminhos do ‘Garage Rock’


The Small Faces


Depois de toda a efervescência do rock 50, um novo momento deste fenômeno musical/comportamental surge, já nos anos de 1960. Novas posições, novas estéticas, novas propostas, novas sonoridades e experimentações. Uma riqueza estético-musical. Década dos mod’s e do ‘mod rock’, dos psicodélicos e hippies e do ‘acid rock’ e/ou ‘rock psicodélico’, dos virtuosos músicos e do ‘rock progressivo’... Entre estas vertentes do rock, eis que surge também um estilo mais agressivo, mais rápido e pesado, o que posteriormente foi chamado de ‘garage rock’. Já com os Beatles, em alguns discos mais experimentais e pesados, o ‘garage rock’ deu seus primeiros passos. Filho do ‘mod rock’, o ‘garage’ surge em discos de bandas como The Kinks e The Who. Antecedente do ‘hard rock’, o ‘garage’ adentra em outra superfície, construindo-se com elementos mais ruidosos. Novos equipamentos de som (e mais potentes, diga-se de passagem), novos efeitos, modo de cantar mais livre, mais alto, letras mais ácidas (o tema amor já não é tão inspirador), novas posturas de palco, etc. Musicalmente, dá-se para dizer que o ‘garage rock’ é um ‘mod’ menos melódico e mais barulhento, mais radical. Para melhor compreendermos do que se trata, basta ouvirmos músicas como ‘Revoluttion’ (Beatles), ‘My Generation’ (Who) e ‘You Really Got Me’ (Kinks), o que nos da uma idéia do que seria (ou é, porque não), esse estilo de rock - e para termos certeza, ouvimos então ‘Bad Part Of Town’ (Seeds), por exemplo. The Who inicia como uma banda ‘mod’ com seus terninhos e cabelos bem cortados, assim como os Beatles, Kinks e demais bandas daquela época. Depois de algum tempo, sofre outras influências e passa a produzir um som mais ‘sujo’ (sujeira aqui não significa mal tocado, mas mais cru, pesado, ácido). Clássicos do ‘mod’ como ‘I Can’t Explain’ passam a ser executados com mais energia, peso, com mais distorção e com voz já rouca e solta nas apresentações da banda. Neste momento, terninhos e cabelos bem cortados já não fazem mais parte da estética da banda. Agora os ternos são trocados por camisetas e jeans e os cabelos já não são tão mais bem cortados. Da ‘primeira fase’ (anos 60), do que ficou conhecido como ‘garage rock’ destacamos bandas como The Who (num segundo momento), The Electric Prunes, The Small Faces, The Seeds, Sonics e MC5, entre outras. Já nos anos de 1970, este estilo se firma com bandas como The Stooges, The Rebels, New York Dolls, entre outras, as quais ficaram conhecidas também como bandas ‘pré-punk’. Do ‘garage rock’ nasce o ‘punk rock’. Bandas como Sex Pistols por exemplo, surgem fazendo versões de bandas como The Who e Small Faces. Atualmente, o garage rock, sendo um estilo mais voltado ao underground do que ao mercado cultural de mídia e consumo capitalista, encontra-se difundido pelo mundo em bandas independentes. Novas roupagens dão outro teor sonoro ao estilo, não menos pesado (leia-se peso aqui, não como efeitos de pedais digitais, mas como forma de tocar o instrumento, com uma energia característica do estilo que resulta em timbres ‘sujos’ – leia-se o rachar de um alto falante por um amplificador valvulado). Uma das bandas que mais ecoa atualmente dentro do estilo, mesclando novos elementos sonoros e tecnológicos - com toques progressivos e psicodélicos - é o The Mars Volta, uma banda que, de certo modo, é inovadora. É certo que o garage rock, além do punk, hardcore e do hard rock, também influenciou bandas do chamado glan rock. Já nos anos 80 e 90, bandas que produzem um rock mais introspectivo (e não), também possuem elementos do garage rock (o ‘ruído’ por exemplo (leia-se aqui, ruído / timbre distorcido), como são as atuais bandas Radiohead, Placebo e White Stripes. Enfim, existem inúmeras boas bandas com suas respectivas maneiras, descendentes deste estilo, talvez, menos conhecido, menos ‘publicitário’ de rock, mas não menos valoroso. O garage rock ecoa entre timbres rasgados e ouvidos ‘não domesticados’, entre o som e a fúria dos acordes envenenados de uma guitarra em mãos de quem voa...

Herman G. Silvani ou Niko, o mesmo.